Um dia eu conversava com o Tiago Seixas, grande pessoa e grande professor, sobre a Argentina. Não sei como chegamos no assunto, mas com a sua conversa lúcida de sempre, o Tiago elogiava aspectos do pais. E soltou uma daquelas pérolas suas de costume: “é muito estranho a rivalidade que a mídia alimenta entre o Brasil e Argentina”. No caso, ele falava do discurso criado na industria futebolística. Sim, indústria e um dos mais poderosos veículos de massa atuais, e como tal, formador de opinião(de massa).
Países tão próximos, tão fortes e, porém, separados ideologicamente por uma rivalidade no mínimo estranha, visto que, se juntos, esses países formariam uma grande potência sul-americana capaz de abalar as estruturas econômicas globais.
Um tratado de Tordesilhas persistente assim deve mesmo ser muito conveniente pra alguém.
Ao chegar em Buenos Aires, a conversa com o Tiago me veio a mente. Tive a sorte de conhecer um bairro de periferia: Libertad, zona oeste da província de Buenos Aires. Uma periferia bastante hermana se comparada às comunidades periféricas das grandes cidades brasileiras. A cena é aquela mesma de sempre: trens lotados, desemprego, desigualdades sociais, medo generalizado, etc. Ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres.
Exuberantes em belezas naturais, explorados em ganâncias imperiais desde seu “descobrimento” até hoje, esses paises sempre foram fadados a eterna condição de colônia.
Caminhando pelo bairro da Liberdad, era impossível não pensar na periferia do Brasil. Meus Deus, como a história se repete. Lendo o livro do Eduardo Galeano, Las venas abiertas de América Latina(download aqui), entendi que a cultura da mentira, da escravização, dos homicídios, da exploração de recursos naturais, de golpes militares, de injustiças sociais, de tramóias político-econômicas globais também são histórias que se repetem em todos os paises latino-americanos.
Se no futebol no somos ni un poquito hermanos, na peleja da vida somos quase gêmeos.
É triste ver irmãos tão próximos que, por motivos de força maior(histórica, econômica, política, militar, mídiatica, futebolísticas, etc), nunca vão falar a mesma língua no sentido de compartilhar fardos,injustiças, lutas, conquistas.
Acho que não interessa ao mundo a possibilidade de Pelézinhos e Maradoninhas crescerem juntos. Pois assim, o permitiriam que brincassem de Chico e Borges. De Cartola e Gardel. De Che Guevara e Lampião.
Por alguns segundos fiquei imaginando uma brincadeira assim.
Em Libedad....Buenos Aires.
março 24, 2008
Hermanos en Liberdad
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4 comentários:
Queria poder escrever mais sobre o sentimento que tive ao ler este post, na boa, mas seria muita enrolação apenas para dizer que achei emocionante.
É, a realidade da Am.Latina TODA tem algo em comum, isso não é novidade. Eu não sou fã de argentino, mas não por conta do futebol, tenho outros motivos. Seu texto é correto, Johnny Paul, é cheio de emoção e sangue latino, irmandades, solidário e o escambau, mas vc fala isso pq nunca conviveu com um argentino que mora ou esteja morando no Brasil. Eu tive esse desprazer, e eram TRÊS, e, coincidência ou não, um deles, apelidado de Jacaré pela sua lábia, vinha exatamente de Liberdad. Um dos amigos dele tirava onda por ele ser de lá, ele retrucava: "Melhor ser de Liberdad do que ser brasileiro"; ou pior: "Liberdad é melhor que Aldeota, Pirambu nem existe em minha terra, aqui vivem como animais, na Argentina é diferente". E posso te dizer que nunca conversei sobre futebol com esses caras. Acho que um deles ainda vive em Jericoacoara, o Mário, o Jacaré voltou, o terceiro nem sei, chamavam ele de Chico (tchico). Foi 1 mês aprendendo que argentino, com ou sem futebol, é muito convencido, não tem respeito por ninguém e por nada fora da Argentina e da Europa e EUA. Falo argentino, não falo das etnias indígenas que vivem à margem na sociedade argentina. E pra não dizer que ouço apenas um lado: tenho sim um colega argentino mui amigo e que respeita e adora o Brasil, Nahuel Milivinti, mora em Fortaleza, casou-se com uma cearense, gente finíssima.
Felipe, convivi com argentinos no Brasil(em Jeri, inclusive). E agora estou convivendo com argentinos na Argentina.
Naturalmente convivi com brasileiros no Brasil e também convivi com brasileiros fora do Brasil.
Como você falou, a realidade da Am. Latina TODA tem algo em comum, e isso não é novidade: há pessoas "do bem" e pessoas, nem tanto.
Com qual delas você quer conviver, é questão de escolha.
O que se quer enxergar como "realidade" também é uma questão de escolha.
Estando no Brasil ou fora dele, procuro fazer as melhores escolhas e, assim, enxergar a melhor realidade. Pois acredito que enxergá-la é o primeiro passo para construí-la.
Grande abraço.
Bom, sem querer encontrei o meu nome na internet, assim, de casualidade... sou o Nahuel Milivnti, acima citado.
Escutei uma resposta do meu amigo Bruno Rasta que tomei para mim mesmo pela sua grande sabedoria, perguntaram-lhe, como quase sempre acontece de forma pouco educada: - E você é de onde?!. A resposta foi simples:- Do mesmo lugar do qual você veio, sou de carne e oso e vamos para o mesmo lugar mermão!
è duma simplicidade enorme continuar se concentrando em estes papos, ou o cara que vive na Argentina, no Brasil, na China, na Europa ou nos Estados Unidos não tem os mesmos sentimentos, ilusões e dores que a gente tem? Vibrações positivas para todos.
Nahuel
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